Eixo 7

Pedagogia Cognitivo-Afetiva

Ensino Fundamental I

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Autora:

Olga Cristina Rocha de Freitas

Presença vivencial

Por sua própria natureza, crianças têm um espírito inquisidor e inquieto; aprendem, desde a vida intrauterina, a coletar informações do mundo interno e externo, por meio de receptores e dos órgãos sensoriais, que lhes provêm as sensações primárias que logo se transformam em percepções gustativas, olfativas, auditivas, visuais e táteis. À medida que amadurecem, aperfeiçoam a interpretação de seu ambiente e melhoram a tomada de decisões, com bases nessas informações.

Para além do desenvolvimento físico e neurológico, no ambiente social, a geração de nascidos nos últimos 10 anos ainda tem como uma de suas principais aliadas as tecnologias digitais, com as quais estabelecem intimidade praticamente inata, e que lhes permitem acesso imediato e incontrolável a milhares de informações diariamente. Tal acesso altera sensivelmente sua maneira de ser-estar-agir no mundo, provocando mudanças em seu ritmo de perceber, pensar e fazer as coisas; em seu sistema atencional e, por consequência, em sua memória e seu processo de aprendizagem. 

E como responderemos a essas perguntas abaixo?

  • E a escola, como lida com essas mudanças? 
  • Como acompanhar e atender às exigências dessa criança e desse jovem do tempo presente? 
  • Professoras estão preparadas para lidar com elas? 
  • Como atuar para a promoção de uma aprendizagem significativa e duradoura, que dialogue com o pensamento complexo e com a diversidade cognitiva?

Certo é que não podemos mais enfrentar esses tempos incertos, fluidos e de tão ampla complexidade com ferramentas intelectuais do passado. É preciso dar um salto qualitativo na concepção de ser humano e de sociedade e, claro, de educação escolar, currículo e, sobretudo, de organização do trabalho pedagógico e na adoção de estratégias que contemplem os diferentes estilos cognitivos. 

Com essa perspectiva, que vamos dialogar sobre a Pedagogia Cognitivo-Afetiva; uma concepção teórico-metodológica que reúne elementos alinhados às demandas pedagógicas e de organização do trabalho pedagógico requeridas no tempo presente.

Proximidade conceitual

Como vimos, por estarem imersas em um mundo repleto de estímulos e com acesso a um volume de informações sem precedentes na história, as crianças dessa nova geração constituem um novo marcador, sendo, por isso, denominadas “geração alpha”.

Saiba Mais

Geração alpha: Termo cunhado pelo sociológico australiano Mark McCrindle, em março de 2010, para designar o conjunto de indivíduos nascidos a partir daquele ano, considerando um contexto global em que as novas tecnologias integram o cotidiano das sociedades de forma essencial, e em meio a preocupações intensas com questões ambientais e com o grande volume de informações a que estamos afeitos.

As crianças dessa geração estão tão acostumadas à frequência de estímulos que chegam pelos aplicativos de smartphones e plataformas de streaming, e cujos algoritmos as mantêm conectadas a diferentes mídias simultaneamente, clicando e navegando em um ritmo tão frenético quanto natural, de tal maneira que seu repertório comportamental e atitudinal não é comparável ao de nenhuma geração anterior.  Os resultados dessa relação quase simbiótica com as tecnologias também se manifestam por alterações diretas nos sistemas sensoperceptivo e atencional, no ritmo de pensar e de fazer as coisas, provocando mudanças sensíveis nas maneiras de ser-estar-agir no mundo desses indivíduos e em seu processo de aprendizagem. Uma das manifestações mais perceptíveis desse quadro é a baixa capacidade de concentração.  

Prestar atenção, concentrar-se, consiste na porta de entrada para as formas mais profundas de aprendizagem, pois permite canalizar os recursos cognitivos para a estimulação externa e ativar o organismo para agir, ou seja, é a capacidade de direcionar, manter ou mudar a consciência em direção a um ou a um grupo de estímulos. Sem essa função cognitiva, não é possível processar as informações; não é possível consolidar o conhecimento na memória, o que significa que não é possível interpretar, analisar, resumir, criticar e chegar a uma conclusão sobre a informação codificada (Taylor, 2012).

Destaque

Como, porém, no mundo em que vivemos, garantir a atenção de meninas e meninos para conteúdos curriculares convencionados e compartimentados há mais de dois séculos? A divergência é clara: o modelo educacional vigente, estático, cunhado na segunda revolução industrial e lá estacionado, oferece pouco aos anseios, desejos e necessidades de aprendizagem desse novo perfil de estudante, de sociedade e de futuro. 

Para essas e outras relações quase antagônicas, a Pedagogia Cognitivo-Afetiva propõe um olhar integrado, que reúne a necessária interface entre Neurociência e Educação; afetividade como mola propulsora das aprendizagens; concepções pedagógicas sociointeracionistas alinhadas aos valores e princípios institucionais.

Princípios neurocientíficos aplicáveis à sala de aula: pontes em construção

Os avanços e descobertas da Neurociência ligados ao processo de  aprendizagem são, portanto, uma revolução para o meio educacional. Em relação à aprendizagem, em termos gerais, a neurociência é o estudo sobre como o cérebro aprende; é o entendimento de como as redes neurais são estabelecidas no momento da aprendizagem, de que maneira os estímulos chegam ao cérebro e se transformam em memórias, e  da  forma como as memórias se consolidam e de como temos acesso a essas informações armazenadas (MIETTO, 2012). 

Na medida em que professoras compreendem e investigam conceitos como sinapses, especialização cerebral, plasticidade cerebral, sistema sensoperceptivo, sistema atencional, mecanismos mnemônicos, entre outros; e a forma como eles atuam  para o processamento da linguagem, da memória, da atenção, do desenvolvimento infantil e das aprendizagens contextualizadas e qualitativas,  tornam-se mais capazes de modificar a organização de seu trabalho pedagógico, e  ressignificar suas práticas e seu papel docente.  

Contudo, os conhecimentos neurocientíficos, por si só, não produzem novas estratégias educacionais, apenas apresentam razões importantes e concretas para a ressignificação da organização do trabalho e da mediação pedagógicos, entendendo que determinadas abordagens e estratégias educativas são mais eficientes que outras (BARTOSZECKS, 2013),  uma vez que nossos alunos são sujeitos sócio-históricos únicos, inseridos em contextos sociais que contribuem para processos de aprendizagem igualmente únicos. Esse pensar exige um novo olhar também para o ambiente de aulas. 

O quadro a seguir sugere como o cérebro aprende em determinados ambientes, configurando princípios com potencial aplicabilidade em sala de aula.

Quadro 1: Princípios da neurociência e Ambiente de sala de aula.

Princípios da Neurociência Ambiente de Sala de Aula
1 – Aprendizagem, memória e emoções ficam interligadas quando ativadas pelo processo de aprendizagem. Sendo um fenômeno social, a aprendizagem requer que os estudantes tenham oportunidades para discutir tópicos. Um ambiente tranquilo encoraja o estudante a expor seus sentimentos e suas ideias.
2 – O cérebro se modifica aos poucos, fisiológica e estruturalmente como resultado da experiência.  Aulas práticas, exercícios físicos com envolvimento ativo dos participantes, promovem associações entre experiências prévias e informações novas.
3 – O cérebro mostra períodos ótimos para certos tipos de aprendizagem, que não se esgotam mesmo na idade adulta. Ajuste de expectativas e padrões de desempenho às características etárias específicas dos alunos; utilização de unidades temáticas integradoras.
4 – O cérebro mostra plasticidade neuronal no transcurso de uma nova aprendizagem, mas maior densidade sináptica não prevê maior capacidade generalizada de aprender.  Estudantes precisam sentir-se detentores das atividades e temas que são relevantes para suas vidas. Atividades pré-selecionadas com possibilidades de escolha de tarefas, aumenta a responsabilidade dos estudantes com sua própria aprendizagem.
5 – Inúmeras áreas do córtex cerebral são ativadas simultaneamente no transcurso de uma nova experiência de aprendizagem. Situações que reflitam o contexto da vida real permitem que a informação nova se ancore na compreensão anterior, nas informações já consolidadas na memória.
6 – O cérebro foi evolutivamente concebido para perceber e gerar padrões quando testa hipóteses. Promover situações em que se aceite tentativas e aproximações ao gerar hipóteses e apresentação de evidências. Uso de resolução de casos e simulações. 
7 – O cérebro responde, devido à herança genética, às gravuras, imagens e símbolos.  Propiciar ocasiões para os estudantes expressarem conhecimento através das artes visuais, música, dramatizações. 

Fonte: Bartoszecks, 2013

Educar na atualidade requer prospectar o futuro; olhar adiante para planejar o presente; exige compreender, por exemplo, que muitas das profissões que conhecemos e para as quais estamos preparando nossa juventude estarão extintas muito brevemente, e mais que isso, demanda reconhecer as relações sociais e de trabalho do futuro perpassam pelo desenvolvimento de novas habilidades que precisam ser potencializadas desde já. 

Educadores e educadoras nos tempos de hoje não podem prescindir dos conhecimentos essenciais que a neurociência propõe, na perspectiva de desenvolvimento de uma nova pedagogia; moderna, ativa, prospectiva, conectada às demandas de aprendizagem desse mundo globalizado, veloz, complexo e cada vez mais exigente. 

Essa nova base de conhecimentos faz surgir, inclusive, novas possibilidades de atuação pedagógica, abrindo uma nova estrada no campo do aprendizado e da construção do conhecimento.

Pedagogia do Afeto

Tão importante quanto as metodologias utilizadas na organização do trabalho pedagógico é o espaço que o afeto ocupa na construção do conhecimento. 

Segundo Wallon (2006), afetividade se faz presente na mediação sutil entre sujeito e objeto do conhecimento, e incentiva a empatia, a curiosidade, move a criança no avanço de suas hipóteses no processo de desenvolvimento e aprendizagem. Nesse sentido, razão e emoção não se dissociam, visto que uma não acontece sem a outra.

Ter consciência das relações afetivas que ocorrem de forma sensível e predominante nos momentos de mediação cotidianas está em consonância com a ideia de uma educação mais humana, que concebe a criança como pessoa completa e sujeito de direito, possibilitando que o momento de aprendizado não se desvincule do ser criança; dos seus interesses e necessidades.

ATENÇÃO

Todas as atitudes humanas são permeadas pelo afeto, que influencia, inclusive, a tomada de decisão.  Especificamente no contexto escolar, o professor não se limita a atuar na esfera cognitiva, desconsiderando as relações afetivas no aprendizado e desenvolvimento cognitivo. Esse tipo de dicotomia leva a crer que o afeto não faz parte da humanidade.

A afetividade contém a impressão subjetiva da qualidade dos objetos, o  que eles despertam no ser humano: alegria, tristeza, amor, raiva, paixão e tantos outros sentimentos (PINTO, 2002), e podem depender tanto do meio externo quanto daquilo que é subjetivo, interno. No desenvolvimento humano, e em especial na Educação, considerar o afeto envolve o acreditar que a criança é capaz de se tornar uma pessoa mais autônoma nas resoluções de problemas em sua vida e ser socialmente participativa ao interagir com o meio (WALLON, 2006). 

Numa pedagogia do afeto, o ambiente escolar deve ser emocionalmente tranquilo, um espaço em que errar seja considerado algo essencial à construção de padrões e não algo passível de punições, em que expressar sentimentos e emoções, interesses e desejos seja natural, e não motivo de constrangimento. A escola deve ser um espaço de felicidade e acolhimento, onde a criança queira estar. 

No quadro abaixo, apresentamos a reflexão de Bruna Watanabe Murakami, arquiteta da USP (2017), sobre a importância de ambientes que possibilitam um ambiente criativo e acolhedor para o desenvolvimento cognitivo e socioemocional das crianças.

Nos anos iniciais, as influências causadas pelo ambiente direcionam a maneira como a criança se identifica com o seu entorno: toda e qualquer superfície que possa ser vista deixa impressões duradouras. 
Particularmente, crianças nesta etapa precisam que o meio ofereça sentimento de segurança e confiança, incentive construções de relações sociais, estimule tanto a mente quanto os sentidos e ofereça suporte para o desenvolvimento da responsabilidade e criatividade. “Crianças pensam sensorialmente, porque sua consciência visual é apurada e sem vícios; seu modo primário de experimentação ainda não foi sobreposto com racionalizações.” (SMIRNOFF 2003)
Nesta faixa etária as crianças são extrovertidas por natureza, em sua grande maioria. Uma paleta cromática com cores quentes e brilhantes complementa esta tendência, reduzindo a tensão, nervosismo e ansiedade, por exemplo.
Não se deve considerar que um ambiente seja colorido apenas porque contém pormenores como desenhos, pôsteres e etc. e que esses recursos irão reduzir a monotonia do espaço.
Fonte: https://repositorio.usp.br/directbitstream/45849b3e-b442-45a9-8574-b041d0747505/2017_brunamurakami.pdf

Para que o bem-estar e a felicidade floresçam e, com eles, a aprendizagem significativa e duradoura, a organização do trabalho pedagógico deve prever atividades dinâmicas e prazerosas, como passeios, visitas a bibliotecas, museus, teatros, cinemas, pesquisas de campo, dramatizações, expressão musical, pintura, desenho, jogos e brincadeiras, entre outros.

O exercício da afetividade no cotidiano favorece também o desenvolvimento das habilidades socioemocionais. Nas situações cotidianas de conflito, por exemplo, é possível intervir para ampliar as possibilidades de negociação da criança com o outro, com seu par. Uma convivência baseada no respeito, uma relação afetiva positiva entre professor e aluno colabora para o processo de desenvolvimento e aprendizagem, tornando-a mais efetiva e significativa.

Sociointeracionismo

Desde há muito, aprendemos com Vygotsky (1984) que a aprendizagem é um fenômeno social. Mas o que isso quer dizer? Em outras palavras, significa que a aprendizagem surge como um fator histórico-cultural, que se constrói e se efetiva na relação que desenvolvemos com nossos pares, na interação com o outro. 

Para Vygotsky, a criança é um ser social, pois nasce inserida em um meio social, que é a família, no qual estabelece as primeiras relações com a linguagem, na interação com o outro. 

Nessa perspectiva, o conhecimento tem sua gênese nas relações sociais, sendo produzido na intersubjetividade e fortemente marcado por contradições sociais, culturais e históricas. Ou seja, a criança é um sujeito interativo, que elabora seus conhecimentos sobre os objetos, na mediação com o outro, aprendendo com ele aquilo que seu grupo social produz.

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O conhecimento é fruto da combinação entre fatores objetivos e subjetivos que fazem parte do nosso cotidiano, ou seja, é um processo inerente ao ser humano, por ele construído ao longo de toda a sua vida, o que o torna protagonista de seu próprio processo de ensino e aprendizagem.

O sociointeracionismo é, então, uma concepção educacional que valoriza e prioriza os reflexos do mundo externo no interior dos indivíduos, por meio de sua relação e interação com a realidade. É uma proposta que valoriza as atividades em grupo, o relacionamento interpessoal e a linguagem, numa perspectiva que se move do desenvolvimento social para o individual.

Nesse modelo pedagógico, o professor exerce papel primordial de mediar e promover os avanços dos estudantes, explorando as zonas de desenvolvimento proximal (ZDP).  Vygotsky (1984) denominou ZDP a distância entre o nível de desenvolvimento efetivo (que o indivíduo já tem), que é determinado pela capacidade de resolver tarefas, solucionar problemas de forma autônoma; e o nível de desenvolvimento potencial (gama de possibilidades), determinado pela capacidade de resolução de problemas sob a orientação ou com a ajuda de pessoas mais experientes. 

A mediação mais eficiente é, pois, a que atua na zona de desenvolvimento proximal, ou seja, nas estruturas ainda não amadurecidas do indivíduo. A intervenção no nível do desenvolvimento real é pouco eficaz, uma vez que esse nível representa as funções mentais já desenvolvidas; por outro lado, também não é efetivo atuar na zona de desenvolvimento potencial, mobilizando estruturas não amadurecidas e apresentando tarefas que o indivíduo ainda não sabe fazer sozinho.

Leitura Concluída

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