EIXO 1

Experiência Memorável

Ensino Médio

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Presença vivencial

Um calafrio me corre pela espinha, arrepiando a pele: há alguém vivo dentro do espelho! Um outro eu, o meu duplo, realmente existe! Não é imaginação, pois ele ainda está sorrindo, e sinto o contato de sua mão na minha, seus dedos aos poucos entrelaçarem os meus (p. 18).
Fernando Sabino
O Menino no Espelho. Rio de Janeiro, Record, 2016.

Assim como esse menino, do trecho acima, nós educadores, muitas vezes, sentimos também um calafrio, um arrepio, quando nos colocamos diante do espelho, e muitas vezes encontramos muito mais do que o reflexo de nós mesmos. De fato, esse reflexo se materializa por meio de imagens e memórias sobre o jovem que fomos e que, de alguma maneira, ainda somos. São essas memórias que compõem o mosaico que se abre à nossa frente, são fragmentos dos nossos pensamentos, do que fomos e do que sonhamos, do que estamos realizando em nossa profissão. 

Na memória de um educador, estão presentes e vivas as lembranças sobre quem um dia sonhamos ser. Um sonho que, muitas vezes, nasce na infância e ganha formas na adolescência e na juventude. Essa memória acolhe as marcas impressas em nós pelos tantos educadores que, na certeza da missão, nos abriram trilhas, nos conduziram e nos desafiaram a superar obstáculos. A força da palavra desses educadores e educadoras ainda hoje nos habita. 

Destaque

Vamos fazer um exercício com as nossas memórias? 

Quais episódios da nossa vida podem fazer a nossa memória amar e, portanto, torná-los eternos? Já parou alguma vez para refletir sobre isso? Sugerimos que tente lembrar, especialmente, do tempo em que você cursava o Ensino Médio, que episódios e qual(is) educador(es) ficaram marcantes em sua vida?

Ao evocarmos essas lembranças, indagamo-nos sobre a escolha pela docência,  o que nos moveu para essa escolha? O que nos mobiliza a continuar nessa missão?  Assim como as marcas que trazemos, podemos refletir sobre as marcas que estamos deixando em nossa trajetória. O que vemos refletido no espelho do tempo? Talvez assim, com um olhar mais profundo, poderemos enxergar a nós mesmos refletidos nos olhos dos nossos educandos.   

Como docentes, sigamos nessa busca por uma prática que permita, no nosso fazer diário, ampliar a visão sobre quem fomos, o que somos, o que desejamos ser; e, também, sobre o que podemos nos tornar na memória dos nossos educandos. 

Então, você gostou do reflexo que viu no espelho? Reviveu episódios memoráveis do tempo em que você cursou o Ensino Médio? Se pudesse, voltaria no tempo para viver tudo mais uma vez?

É sobre experiências memoráveis que vamos conversar aqui.

Proximidade conceitual

A escola e a Educação Básica são cenários de um espaço-tempo de experiências memoráveis, haja vista que todas as pessoas guardam na lembrança o registro de episódios marcantes desse período situado entre a adolescência e juventude. Marcante é tudo o que marca a nossa pele e a nossa alma e, portanto, eterniza-se como experiência memorável.

É importante ter presente que é nesse período que os  adolescentes e jovens buscam o reconhecimento de suas identidades, necessidades e vulnerabilidades, bem como de suas potencialidades nos ambientes de sociabilidades primária e secundária, em meio à complexidade do mundo atual. É por meio desse reconhecimento que encontram segurança e coragem para fazerem as suas escolhas, tanto na dimensão pessoal como no campo profissional, em meio às tantas expectativas advindas da família, da escola e da sociedade. 

Nesse trajeto, nós, educadores e educadoras, precisamos melhor compreender o contexto que permeia a vida escolar dos educandos. É importante lembrar que o processo de desenvolvimento biopsicossocial nos integra, mas é na fase da adolescência que, segundo nos diz Eisenstein (2003, p. 685), assuntos associados à sexualidade, à identidade, à autonomia, aos valores e às mudanças nas conexões e relações de amizade e afetivas são temas do cotidiano e da busca de respostas sobre “quem eu sou?” 

É no Ensino Médio, etapa final da Educação Básica, que esse processo ganha dimensão e exige de todos nós, educadores e educadoras, uma atenção a esse sujeito para que o ato educativo contribua para o desenvolvimento das suas habilidades e competências, nas dimensões cognitiva e socioemocional.

Conforme Fávero, Spósito, Carrano e Novaes (2007),  a vida social é hoje dividida em múltiplas possibilidades de experiência, caracterizadas por formas específicas de relacionamento, linguagem e regras. Ainda segundo os autores, complexidade e diferenciação potencializam a capacidade individual para empreender ações que, por vezes, não se mostram favoráveis diante da realidade social vigente. Nesse sentido, “a experiência é cada vez menos uma realidade transmitida e cada vez mais uma realidade construída com representações e relacionamentos: menos algo para se ‘ter’ e mais algo para se ‘fazer’” (p. 36).

Desse modo, as experiências memoráveis não resultam somente das capacidades individuais, mas do equilíbrio entre as diversas dimensões do processo de ensino e de aprendizagem, que não podem deixar de considerar a relação de presença, proximidade e partida que se estabelece em sala de aula e nos diversos espaços educativos entre educador, educando e seus pares.

Na escola, a aprendizagem ocorre, inicialmente, por meio da relação entre os sujeitos, dentro e fora da sala de aula; e na construção coletiva do conhecimento. Nesse contexto, o educador deve atuar como mediador para que a aprendizagem seja significativa e transformadora na vida dos educandos.

Desse modo, a aprendizagem exitosa é aquela que consegue tirar o melhor proveito, tanto das formas específicas de relacionamentos como de linguagens e regras.  É aquela que desperta à curiosidade, à dúvida, mas também à solução das questões propostas, cujo conteúdo está contextualizado ao cotidiano do educando. Para que essa aprendizagem seja uma experiência exitosa e memorável, o educando deverá ter a oportunidade de construir uma representação de si mesmo como alguém capaz de aprender (FREIRE, 2001).

No Ensino Médio, assim como nas demais etapas da Educação Básica, conforme Moreira (2012), é importante tomar como ponto de partida o que o educando já sabe, ou seja, os seus conhecimentos prévios – conceitos, proposições, ideias, modelos… – como a principal variável a influenciar a aprendizagem significativa de novos conhecimentos. As condições para que a aprendizagem exitosa ocorra dependem também da adoção de estratégias pedagógicas e materiais criativos, por parte do docente, e a predisposição para o compartilhamento de saberes e experiências, entre educador, educando e seus pares.

A escola configura-se como espaço-tempo de experiências memoráveis, quando oportuniza ao educador e ao educando ambientes acolhedores e estimulantes para o compartilhamento de saberes e experiências aos quais nos referimos anteriormente. Nesse contexto, ela se torna o cenário propício para a educação integral, ou seja, uma educação que promove o desenvolvimento físico, intelectual, social e emocional do educando.

Um ambiente acolhedor e estimulante na escola deve considerar tanto a estética e arquitetura quanto as metodologias ativas, as relações afetivas, os espaços seguros para a livre expressão de ideias e talentos que possibilitem que a experiência seja memorável. Em outras palavras, que permitem que o vivenciado fique impresso no coração. Quando falamos daquilo que fica impresso no coração, não é possível esquecer educadores que nos inspiraram na escolha pela docência, ao longo da nossa trajetória formativa e que seguem sendo referências e motivo para que não nos esqueçamos que também nós precisamos nos tornar inspiradores para os nossos educandos na nossa missão cotidiana.

Saiba Mais

Educadores inspiradores contribuem para despertar o protagonismo dos educandos na medida em que os reconhecem como sujeitos e não como objetos do processo de ensino e de aprendizagem desenvolvido na escola. Nessa perspectiva, Paulo Freire (2019) afirmava que ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, as pessoas se educam entre si, mediatizadas pelo mundo.

O espaço educativo deve privilegiar a formação do educando, na perspectiva de fazê-lo cada vez mais protagonista e humanizado. Não deve, portanto, ser apenas um lugar para acúmulo de saberes teóricos, antes, o ambiente educativo deve intencionalmente buscar desenvolver a relação subjetividade-objetividade nos educandos, de modo que possam desenvolver o sentido de pertencimento ao grupo como resultado das relações construídas, fruto do diálogo entre todos.

Assim sendo, o sentido de pertencimento deve ser aquele que potencializa um ambiente acolhedor e estimulante, garantindo espaços para a expressão das emoções, da afetividade, do diálogo, além do conteúdo curricular. Tal sentimento é desenvolvido nos educandos quando, no ambiente, estão presentes valores que, associados aos sentimentos, favorecem a solidificação da identidade do grupo e no grupo, o que propicia que sempre estejam recriando esse espaço de relações onde se identificam e se encontram acolhidos e pertencentes (RAFFESTINI, 1993).

Outra característica fundamental no debate sobre o pertencimento é a maneira como vamos estimular os educandos a reconhecer, prestigiar e zelar pelo ambiente escolar no qual estão inseridos, fazendo com que possam “[...] aprofundar conhecimentos e rever atitudes, conceitos, valores éticos e estéticos” (LESTINGE, 2004, p. 5). 

Essa postura de pertencimento e de acolhimento se deve em muito à possibilidade de implementação do diálogo como ferramenta imprescindível para a qualificação de relações humanizadas. É pelo diálogo que as relações intersubjetivas acontecem sem viés de acesso à violência, como forma de resolver os conflitos pertinentes a esses encontros, promovendo uma Cultura de Paz no ambiente educativo. 

O diálogo ao qual nos referimos é o momento em que cada um assume o protagonismo no encontro que acontece entre sujeitos, esses, por sua vez, são pensantes, reflexivos, criativos, éticos e pertencentes a uma realidade que é compartilhada. Isso, porém, não impede que cada indivíduo tenha sua própria forma de enxergar e de entender as coisas, de avaliar as situações e de expressar seu entendimento numa relação simpática, empática e de alteridade. 

No espaço educativo, essa troca se dá entre educando-educando, educando-educador e educador-educador, buscando uma coerência entre o que se diz e o que se faz (FREIRE, 2005), por isso:

“[...] é preciso recuperar a subjetividade de cada educador e educando, considerados sujeitos de palavra e, portanto, sujeitos portadores de uma humanidade existencial, que se caracteriza como a objetividade educacional. Assim, subjetividade e objetividade se complementam de forma dialógica.” (SÍVERES; LUCENA; ANDRADE, 2021, p. 56).

Portanto, o diálogo torna-se uma estratégia para a troca de saberes e fomento de relações, o que possibilita aos participantes desse movimento leituras e releituras diversas dos saberes, fazendo com que, assim, possam aprofundar a cada encontro os conhecimentos construídos até aquele instante.

Tais atitudes farão com que o espaço educativo seja acolhedor e estimulante para a vida em comunidade, atendendo, assim, às necessidades dos educandos e, dentre elas, a ludicidade tão importante para o processo da aprendizagem.

Você verá

Que a emoção começa agora

Agora é brincar de viver

E não esquecer

Ninguém é o centro do universo

Assim é maior o prazer

(Música “Brincar de Viver”, de Guilherme Arantes).

Embora brincar não seja coisa apenas de criança, os conceitos e teóricos citados estão muito associados ao desenvolvimento da primeira e segunda infância. O contexto do Ensino Médio requer que a ludicidade acompanhe a etapa do desenvolvimento humano em que se encontram os estudantes, seus centros de interesse, projetos de vida. A gamificação, as linguagens artísticas, expressões criativas,  jogos colaborativos, atividades coletivas, simulações, ambientes de aprendizagem variados, tecnologias, redes sociais, entre outras, são mais apropriadas e lúdicas  à faixa etária.

     

Brincar é um comportamento que acompanha os humanos desde os primórdios, independentemente de categorização social, etária ou cultural. Faz parte do desenvolvimento humano e possibilita aprendizado, socialização, troca de conhecimentos e experiências, estruturação da capacidade de diálogo e interação. Tal entendimento foi compartilhado por pensadores como Vygotsky, Piaget, Winnicott dentre outros. 

Para Vygotsky (1998), brincar é uma atividade humana criadora, por meio da qual imaginação, fantasia e realidade interagem na produção de novas formas de construir relações sociais com outros sujeitos, crianças ou adultos. 

Em consonância, Piaget (1978) afirma que o brincar contribui e enriquece o desenvolvimento intelectual, e não é apenas uma forma de desafogo ou entretenimento para gastar sua energia. 

Winnicott (1975 apud KAWAGOE; SONZOGNO, 2006), aponta que o brincar possibilita a quebra de barreiras da realidade, a vivência de experiências e é uma forma de construir a realidade, ao transitar entre o subjetivo e o objetivo.

Segundo Luckesi (2005):

Brincando, agimos criativamente no espaço potencial de todas as possibilidades, que são infinitas, e que traz ao cotidiano criativamente uma dessas possibilidades.  O mesmo autor destaca que: O espaço potencial entre a subjetividade e sua expressão objetiva se dá na experiência da criança, do adolescente, assim como no adulto. E é neste espaço que se dá o brincar da criança, do adolescente e do adulto. Todos brincam, ou seja, todos em conformidade com sua idade e seus processos de maturação, em seus processos criativos, transitam do subjetivo para o objetivo. Assim fazem os cientistas em seus processos de investigação; assim fazem os artistas em suas criações; assim fazem os criadores de artefatos tecnológicos; assim fazem aqueles que trazem a beleza à terra; assim fazem as crianças que brincam nas ruas ou nos parques; assim fazem os adolescentes que, irrequietamente, criam e recriam os seus dias alegres e sorridentes. 

O contexto do Ensino Médio requer, portanto, que os educadores utilizem metodologias lúdicas, considerando o momento em que se encontram os estudantes, seus centros de interesse, projetos de vida, dentre outros, lançando mão de recursos tais como:  gamificação, as linguagens artísticas, expressões criativas,  jogos colaborativos, atividades coletivas, simulações, ambientes de aprendizagem variados, tecnologias, redes sociais, entre outras.

Conforme a BNCC:

Ao brincar, dançar, jogar, praticar esportes, ginásticas ou atividades de aventura, para além da ludicidade, os estudantes se apropriam das lógicas intrínsecas (regras, códigos, rituais, sistemáticas de funcionamento, organização, táticas etc.) a essas manifestações, assim como trocam entre si e com a sociedade as representações e os significados que lhes são atribuídos (BRASIL, 2017, p. 220).

Ainda segundo esse documento, os processos de desenvolvimento e de aprendizagem envolvidos no brincar são também constitutivos do processo de apropriação de conhecimentos. Assim, nos textos oficiais e documentos orientadores, o ato de brincar passa a ser visto como um direito dos sujeitos, sejam eles crianças, adolescentes ou jovens, no seu processo de desenvolvimento.

Fica a dica

Portanto, do ponto de vista de uma educação pautada na proximidade, na presença e na partida, o ato de brincar pode compreender o reconhecimento do sujeito quanto às suas subjetividades, com respeito ao seu desenvolvimento biopsicossocial, de forma que a ludicidade seja também um compromisso institucional curricular, integrado às demais atividades cotidianas, com vistas a um agir virtuoso que proporcione uma ambiência escolar feliz.   

É o agir virtuoso praticado durante a vida que nos possibilita viver com felicidade. Já na Grécia Antiga Aristóteles defendia que o agir virtuoso seria uma condição para alcançarmos a felicidade, pois ele é capaz de produzir uma satisfação em um sentido subjetivo e uma satisfação em um sentido intersubjetivo, já que, por meio desse agir, levamos em conta nós mesmos e os interesses da coletividade (UCB, 2021).

A ideia de felicidade implica, ainda, outros três elementos:

  1. ter condição, ou seja, suporte material para o atendimento das necessidades básicas;
  2. fazer opções, o que demanda o suporte simbólico para escolher caminhar rumo ao alcance dos sonhos/utopias; e
  3. entender a realidade, o contexto social propício para o alcance das necessidades básicas e dos sonhos possíveis. Esse agir virtuoso praticado durante a vida nos possibilita viver com felicidade.

Entretanto, cara professora e caro professor, sabemos que esse entendimento do ato educativo na perspectiva da aprendizagem memorável e da felicidade em um contexto de reducionismo do conhecimento pode ser um fator limitante para uma educação que se proponha acolhedora, estimulante, criativa e transformadora. Mais do que isso, pode levar à frustração. 

Diante disso, somos desafiados a superar um modelo de educação bancária, a fim de construir uma educação emancipatória, disruptiva, cuidante e propulsora de sujeitos protagonistas. Para isso, é necessário que nossa uma prática pedagógica seja arrojada, e que considere a práxis (ação + reflexão = ação refletida) que provoque o educando para buscas mais significativas no encontro consigo mesmo e na relação com os outros (FREIRE, 2009).

O arrojo pedagógico é construído no diálogo entre teoria e prática, e desenvolvido por meio da reflexão individual e coletiva sobre um repertório crescente de experiências e conhecimentos. Desse modo, podemos afirmar que não há duas situações pedagógicas idênticas, o que faz com que o trabalho relacional dos educadores seja insubstituível, mesmo pelos recursos tecnológicos mais sofisticados. O ato pedagógico é o que permite a cada educando fazer parte de uma relação humana com o conhecimento, acessar um mundo com inteligibilidade, criatividade e sensibilidade, o que deve motivar o educador a uma busca qualificada de ações pedagógicas. (UNESCO, 2022).

Toda experiência educacional memorável deve ter um caráter inclusivo das diversidades presentes na escola.

Destaque

Ao brincar, dançar, jogar, praticar esportes, ginásticas ou atividades de aventura, para além da ludicidade, os estudantes se apropriam das lógicas intrínsecas (regras, códigos, rituais, sistemáticas de funcionamento, organização, táticas etc.) a essas manifestações, assim como trocam entre si e com a sociedade as representações e os significados que lhes são atribuídos (BRASIL, 2017, p. 220).

A seguir, abordaremos um pouco sobre Partida Experiencial.

Leitura Concluída

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