Eixo 4

Cidadania Global

Ensino Médio

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Presença vivencial

Reconhecemos que, numa cultura onde
cada um pretende ser
portador duma verdade
subjetiva própria, torna-se
difícil que os cidadãos queiram
inserir-se num projeto comum
que vai além dos benefícios e
desejos pessoais.
Papa Francisco - Evangelii Gaudium - 61
Papa da Igreja Católica

Inspirados e inspiradas por essas reflexões do Papa Francisco, iniciamos este eixo 4, que trata da Cidadania Global. De início, essa proposta já nos provoca, impelindo-nos a lançar um olhar mais ampliado para o mundo e para tudo o que o habita.

Então, convido você agora a fazer um exercício de olhar o mundo. Tal exercício pode também ser realizado com seus educandos.

Observe a imagem abaixo:

Escolha uma das janelas e imagine-se olhando, contemplando o mundo a partir dela. 

O que você vê? Como é o horizonte que você avista? Que realidade/realidades você enxerga dessa janela? Como você está interage com essa(s) realidade(s) que você agora enxerga de sua janela? 

Agora, olhe para as outras janelas, imagine que cada uma delas está em um continente (África, Ásia, América, Oceania, Europa); e que, em cada janela, tem alguém, assim como você, que olha, vê, sente e interage nesses ambientes e realidades.

Reflita

Faça uma pausa e reflita: 

O que você sentiu ao fazer esse exercício? O que fez você pensar sobre o jeito que tem olhado o mundo e a(s) realidade(s) nele presente(s)? Que exercício de cidadania você está fazendo na(s) realidade(s) em que você vive? O que as outras janelas e o modo de olhar o mundo a partir delas lhe provoca? O que essas janelas solicitam de você?

Com esse exercício, desejamos que você tenha conseguido se perceber como alguém que observa o mundo da sua janela, mas que não está só, há outras pessoas em suas próprias janelas, de diferentes lugares, culturas, territórios, saberes, sabores, idades e corpos que também olham o mundo exterior. Esperamos, com essa reflexão, que você perceba o que a(s) realidade(s) provoca(m) para o exercício de uma efetiva cidadania, para além do que as normas o obrigam fazer.

Saiba Mais

Um grande desafio, não é mesmo? Venha com a gente e vamos conversar mais sobre isso.

Proximidade conceitual

Um dos aspectos importantes no debate quando tratamos do tema da Cidadania Global é o conceito de desenvolvimento sustentável e sua relação com o respeito ao meio ambiente, que tem como princípios fundantes repensar a forma como nos relacionamos com o ambiente que nos rodeia; se nos sentimos parte desse mesmo ambiente; como gerimos os recursos naturais que se encontram nele e a busca do equilíbrio com as questões econômicas e sociais. São questões imprescindíveis, que devem ser consideradas diante do crescente aumento do desequilíbrio pelo qual o sistema-mundo está passando, inclusive com situações concretas que já estão acontecendo: ciclones, chuvas com índices jamais vistos, secas prolongadas, desaparecimento de espécies únicas dentre tantos outros cenários.

Efetivamente, ante o contexto econômico e social no qual estamos inseridos e as questões que se impõem nesse novo modelo integrativo e interdependente, a busca da sustentabilidade se mostra desafiadora, posto que estamos culturalmente acostumados a uma ação predatória. Essa forma de ver, pensar e tratar o mundo, tendo o antropocentrismo como baliza, segundo Ailton Krenak (2019), plasmou uma humanidade hegemônica, que não reconhece as diferentes cosmovisões/perspectivas de mundo.

Essa hegemonia vem transformando seres humanos em consumistas ao invés de cidadãos, separando o ser humano e natureza, transformando-a em objeto, tirando seus sentidos, para assim dominá-la. Para esse autor, escritor e liderança indígena do povo Krenak, essa humanidade precisa ser questionada.

Assim sendo, é necessária uma transformação cultural que leve cada um, cada uma a assumir e desempenhar individualmente e coletivamente ações mais respeitosas e de integração com o ambiente em que vivemos, de modo que possamos assegurar a existência de todos os seres e, consequentemente, tenhamos a garantia de um meio ambiente sustentável.

Hans Jonas (1903-1993), filósofo e teólogo alemão, tratando sobre essa temática do desenvolvimento tecnológico, constituiu o conceito de “Ética da Responsabilidade”, ao abordar as consequências advindas da ação do homem sobre a natureza. Jonas atribui ao ser humano toda a responsabilidade com a preservação da natureza e salvaguarda do bem-estar e da existência das futuras gerações. Na sua obra O Princípio Responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica (2006), ele propõe

Reflita

[...] uma reflexão sobre a incerteza da vida futura como resultante de um equívoco cometido ao isolar o ser humano do restante da natureza, sendo o homem a própria Natureza, bem como ao desenfreado desenvolvimento científico e tecnológico. Assim sendo, enfatiza que a sobrevivência da humanidade depende de esforços para cuidar do planeta e, assim, assegurar seu futuro. Segundo o pensador, incide sobre o ser humano uma responsabilidade ilimitada de cuidado para com a priorização da vida no planeta. Essa responsabilidade é total e contínua.

Portanto, o desenvolvimento sustentável apresenta-se como ação resultante de todos, do coletivo, do espaço social, visando a valorização de cada um, do espaço ecológico e tudo que nele vive, buscando fazer compreender que a vida se faz e depende da integração de todo o ambiente, o que fará com que tenhamos manutenção da vida, melhor qualidade de vida, satisfação de nossas necessidades básicas e conservação do espaço ecológico. Ademais, exige, urgentemente, o exercício do consumo consciente e responsável, pautado em escolhas de hábitos que não explorem os seres humanos, os animais, a terra, as águas, as florestas e não provoquem danos ao sistema ecológico. A falta de consciência e responsabilidade de apenas um ser humano é prejudicial para todo o sistema ecológico.

Tais princípios de uma absoluta convivência vital entre o ser humano e o ambiente que o cerca exigem a perspectiva de uma educação que tenha um olhar não predatório sobre a natureza. Assim sendo, a Educação Financeira, segundo o professor Arnaldo Niskier (2012), em seu livro Sustentabilidade e Educação, diz que precisamos:

[….] desenvolver nos mais jovens a consciência de um modelo de desenvolvimento sustentável, estimulando a sensibilização para o campo ecológico, promovendo assim o exercício da cidadania capaz de buscar o crescimento econômico, combinado com o desenvolvimento tecnológico de forma sustentável, oportunizando a inclusão social e a preservação do meio ecológico.

É necessário, portanto, uma educação que valorize a percepção da necessidade de manter esses valores no processo de sustentação financeira, que deverá ser trilhado e escolhido pelo estudante. Ademais, é preciso relacionar a compreensão de que a educação para a cidadania global configura uma visão transformadora da educação e um novo paradigma educativo que ultrapassa as barreiras do local e do nacional, do individualismo e da competitividade, implicando uma mudança profunda nas premissas de base que regulam os programas educativos. Não se trata apenas de dotar os jovens de competências que lhes permitam escolher profissões eficientes numa economia global, mas ir além da mera “aquisição de conhecimentos sobre o mundo para o campo da participação crítica e responsável, do respeito pelos outros e pelo meio ambiente, da compreensão e da cooperação, rumo a uma maior igualdade e justiça social para todos” (ANDRADE; LOURENÇO, 2019, p. 540).

Ainda segundo essas autoras, 

Destaque

A construção da identidade profissional ocorre nos processos de (trans)formação em que os sujeitos vão emergindo como profissionais autónomos, munidos de um projeto reflexivo e capazes de contribuir para a construção social da identidade coletiva (p. 541).

Portanto, quando falamos de educação financeira, escolha profissional e cidadania global, estamos nos remetendo ao conceito de Economia Criativa.

O conceito de Economia Criativa é algo recente e tem como base de fundamentação a definição exposta na Conferência das Nações Unidas (2010, p. 40) para o Comércio e Desenvolvimento, que a caracteriza como:

[…] um conjunto de atividades econômicas baseadas em conhecimento, com uma dimensão de desenvolvimento e interligações cruzadas em macro e micro níveis para a economia global.

Tal definição faz entender que a Economia Criativa engloba uma gama de atividades na perspectiva de produzir, utilizando-se da criatividade e da busca pelo conhecimento. Contudo, o que caracteriza essa criatividade e essa busca correspondente é o fato de que o produto econômico decorrente não se baseia em processos predatórios e de fontes esgotáveis existentes no ambiente ecológico. Ademais, não se estrutura no processo de competição e predação das relações humanas, mas fundamenta-se na cultura, na colaboração, na partilha, na humanização e nos processos de desenvolvimento sustentável do ambiente.

Esse entendimento de Economia Criativa nos chama para o conceito de Economia Circular, que, segundo Ellen MacArthur Foundation – EMF (2015),

[...] é restaurativa e regenerativa por princípio. Seu objetivo é manter produtos, componentes e materiais em seu mais alto nível de utilidade e valor o tempo todo, distinguindo entre ciclos técnicos e biológicos. Esse novo modelo econômico busca, em última análise, dissociar o desenvolvimento econômico global do consumo de recursos finitos.

A necessidade de estarmos atentos e cuidadosos com os processos restaurativos e regenerativos no momento do consumo responsável pressupõe, portanto, uma mudança de paradigma educativo que caminha no sentido da Educação Circular e da Educação Inclusiva.

Na perspectiva de uma Educação Circular, precisamos refletir sobre o espaço educativo escolar como um lugar institucional que tem como premissa o diálogo entre visões de mundo, visando a possibilidade de questionar o contexto social em que o educando se encontra, ao trabalhar pedagogicamente mecanismos para a mudança desejada. Nesse sentido, objetiva transformar as estruturas da sociedade, tendo como base o reconhecimento das pessoas como sujeitos do processo de ensino e aprendizagem, que interagem nessa mesma sociedade na busca de práticas emancipadoras (FREIRE, 1981). Dentro desse contexto de práticas emancipadoras, está a urgente e necessária forma de conceber uma educação junto com a comunidade, com as pessoas em situação de opressão e vulnerabilidade, crianças, idosos, mulheres, pessoas negras, LGBTQIA+, pessoas com deficiências, bem como em inteira relação de pertença com o espaço ecológico.

O contexto da Educação Circular nos convida ao conhecimento do conceito de Educação Inclusiva que, em síntese, significa fazer do espaço educativo um lugar que oportuniza a convivência e a troca com o diferente, a sensibilização e o respeito à diversidade, bem como o respeito com o Outro. Esses ideários contrastam com o modelo e a concepção da escola de tradição excludente, posto que os paradigmas e o olhar se abrem para metodologias diversificadas, para o uso de ferramentas tecnológicas, para práticas pedagógicas que promovam a aprendizagem e a inclusão como o próprio nome já deixa entender. Como diz Boaventura (1999):

Destaque

Temos direito de ser iguais sempre que a diferença nos inferioriza; temos o direito de ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza.

Todos esses princípios até aqui explicitados precisam ser trabalhados e tidos como formadores de um projeto de educação que veja o educando como um agente de transformação e mudança dessa cultura existente, observando todo o desenvolvimento tecnológico presente aliado nesse processo. 

Para tanto, precisamos falar do conceito de cidadania digital, que pode ser compreendido como o desenvolvimento e a efetivação de comportamentos (habilidades e competências) sejam fundamentados em princípios e valores humanos, éticos e democráticos, que possibilitem ao educando participar do ambiente digital, respeitando as normas existentes para a participação nesse espaço, bem como tendo consciência dos direitos que lhe são afetos ao estarem nesse espaço de interações imediatas e circulares. 

Para Illich (1973), é importantíssimo que o ser humano possa recolher o que há de melhor das tecnologias. É necessário, para tanto, que as tecnologias no mundo digital sejam modeladas conforme as suas necessidades, o que possibilitará que o seu uso, e as interações que são feitas por meio delas, de forma ética.

Tal chamada de atenção de Illich é precisa ante o fato de que as tecnologias já fazem parte das nossas rotinas diárias. Para Lévy (2010), a cibercultura, conceito que vincula dois outros conceitos – cultura e tecnologia – representa atividades, técnicas, procedimentos, modos de pensamento e valores, tudo conectado em rede. Aquele que usa os serviços via internet tem a oportunidade da criação coletiva, da pactuação (engajamento na ciber linguagem) nas comunidades virtuais. Tal oportunidade possibilita o processo da aprendizagem coletiva, cooperativa e participativa. Aprofundaremos os conceitos referentes a esse tema no Eixo 5, “Ciência, Tecnologia e Inovação”, deste nosso caderno.

Outro conceito utilizado por Lévy (2010) é o de cultura digital, que expressa o sentido da cultura originada daquilo que conhecemos como era digital, que integra os conceitos de linguagem da internet, mundo virtual e cibercultura.

Diante dessa realidade complexa e vivendo em uma sociedade com desafios éticos que desembocam, segundo Leonardo Boff (2009), em crise social, do sistema de trabalho e ecológica, o autor defende que a sua superação depende da construção de um novo Ethos Mundial. Esse ethos tem a ver com a totalidade do mundo, com todas as vidas existentes no planeta, tem a ver com valores fundamentais que respeitam as diferentes visões de mundo e podem contribuir para solucionar os atuais problemas graves da humanidade.

Diz o artigo 205 da Constituição Federal de 1988:

[...] A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Esse novo Ethos pede, ainda, que abandonemos a cultura da violência, do individualismo, da indiferença, da desigualdade social, da destruição, do descarte, do consumo desenfreado; e que caminhemos para a construção de uma cultura cuja gramática seja a paz e a não-violência, a solidariedade, os direitos iguais, o respeito a toda forma de vida e o consumo responsável.  Para isso, é preciso uma educação que possibilite uma transformação cultural que, conforme Maturana (2007, p. 13), mude a nossa “rede de conversações” que têm configurado nosso falar e emocionar em valores basilares da “cultura patriarcal ocidental”, essa, por sua vez, valoriza a guerra, as hierarquias, a autoridade e o poder que controla o outro/a e tudo que está fora de nós e ao nosso alcance. 

Para desconfigurar essa rede de conversações na qual estamos inseridos e reconfigurar outra, em direção a um novo Ethos, precisamos de uma educação ancorada em metodologias e teorias que provocam para outras formas de pensar e fazer educação, como a transdisciplinaridade e a decolonialidade, metodologias que possibilitam o reconhecimento e o entrelaçamento de diferentes saberes. O objetivo primordial de uma cidadania global se apresenta na efetiva concretização de uma Cultura de Paz.

Saiba Mais

Nesse mesmo contexto, a prescrição de que os conceitos integrantes da cidadania devem ser incorporados ao currículo, em todas as etapas da vida escolar ,também está prevista na Base Nacional Comum Curricular, no contexto das competências.

Leitura Concluída

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