Eixo 6

Formação Continuada Docente

Educação Infantil

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Presença vivencial

Observando a tirinha acima, propomos que você faça o exercício de buscar em sua memória o que você respondia quando, na sua infância e adolescência, alguém lhe perguntava: “O que você vai ser quando crescer?” Você consegue lembrar quais os sonhos que tinha? Esses sonhos se tornaram realidade em sua vida ou não? Como foi para você realizá-los? Caso não os tenha realizado, quais foram os impedimentos? 

Essa pergunta, que provavelmente todos nós ouvimos ao longo da nossa infância, ainda hoje se faz presente no seio das relações com o universo educativo. 

Muito bem! Tendo essas memórias presentes vamos conversar um pouco sobre o processo de formação que nos levou à realização de nós mesmos, seja tendo alcançado aqueles sonhos, seja tendo trilhado outros.

Proximidade conceitual

A questão é que a palavra crescer pode ter diferentes significados, uma vez que, na sua etimologia, do latim crescere, significa aparecer, surgir, aumentar. Assim, essa indagação “o que você quer ser quando crescer” pode tomar uma outra dimensão quando partirmos do princípio de que crescer é um processo contínuo. Em termos de conhecimento, à medida que vamos nos desenvolvendo biopsicossocialmente, vamos aparecendo, surgindo, aumentando os nossos espaços como sujeitos interativos e interdependentes. 

Assim, podemos refletir também sobre os processos contínuos de formação voltados à docência. A nossa trajetória no processo de escolarização é marcada pela palavra formação. O momento da formatura nos dá a certeza de que chegamos em algum lugar. E de fato chegamos, se pensarmos sob o ponto de vista do que nos é garantido em termos de legislação, mas, se pensarmos sob o ponto de vista da realidade frente à complexidade do mundo em que vivemos, logo veremos que o processo de formação precisa ser contínuo. 

No âmbito da docência, podemos dizer que esse processo advém do desafio contínuo de um pensar e um repensar sobre a prática docente no contexto das ações educativas. É no espaço da sala de aula que o mundo se coloca e exige das educadoras e dos educadores as respostas para as aprendizagens necessárias à contemporaneidade. 

Com os avanços científicos e tecnológicos, atualmente, é possível nos aprofundarmos mais nas questões voltadas à infância, etapa basilar do processo do desenvolvimento humano. Do ponto de vista educativo formal ou informal, toda a sociedade é responsável por esses sujeitos. Contrariando o discurso de que as crianças, os adolescentes e os jovens precisam ser cuidados porque representam o futuro, é salutar dizer que esses sujeitos precisam ser cuidados porque representam o presente, haja vista que integram a realidade de um país.

É importante considerar os avanços na atualidade em relação à forma como a Educação Básica tem sido tratada no âmbito das políticas sociais, no entanto, nem sempre foi assim. Hoje, o educando nascido sob a égide das novas tecnologias, a chamada geração Alpha, exige a necessidade de um processo educativo mais conectado com essa realidade. 

Tal conexão entre as áreas do conhecimento e a realidade tem em muito contribuído para a ampliação do olhar sobre o processo educativo. Segundo Cosenza e Guerra (2011), os avanços no campo dos estudos em neurociências vem possibilitando uma abordagem mais científica do processo ensino e aprendizagem, fundamentada na compreensão dos processos cognitivos envolvidos. Para os autores, a inclusão de temas relacionados às neurociências na formação do educador é um dos desafios urgentes. Essa demanda decorre da necessidade de conhecer o sujeito em formação na sua integralidade. 

É nessa tessitura relacional que se dá a ação pedagógica, processo em que o docente ressignifica a sua prática cotidiana a partir das necessidades contemporâneas da educação. No espaço educativo, o profissional dialoga com os saberes e nele imprime a sua identidade. 

Voltando à indagação inicial, “o que você vai ser quando crescer”, no campo da docência, o crescer se veste do significado de aparecer e de se posicionar como profissional, de fazer emergir o desejo de contribuir para as mudanças necessárias no contexto em que vive e atua. Nesse processo dinâmico e contínuo de formação, o docente poderá propor e vivenciar novas experiências para, assim, elevar o nível de conhecimento sobre o seu fazer e, sobretudo, sobre si mesmo. 

Educar exige respeito aos saberes, respeito à autonomia dos educandos, além de liberdade e autoridade. Esses são alguns dos preceitos que constituem a pedagogia da autonomia freiriana. Propomos esses pontos como partida para dialogarmos sobre o entendimento acerca do professor mediador na ação pedagógica.  

Vamos partir do conceito de mediar como estar no meio; distar, conforme consta nos dicionários. Com base nesse princípio, mediar, no contexto da ação pedagógica, é estar no meio e distar pode ser compreendido como abrir espaços para as experiências e os saberes do educando, tal como Freire (2016, p. 25) nos diz:

ATENÇÃO

Não há docência sem discência, e as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto um do outro.

O autor nos provoca a refletir sobre a necessidade de repensarmos o fazer docente na perspectiva reducionista e mecanicista da educação, na qual o educador exerce o papel central, partindo para uma ação educativa pautada no protagonismo docente e discente. 

Moraes (2008 p. 230) afirma que “o saber docente é parte integrante de um mundo que existe em comunhão e que é, ao mesmo tempo, aparentemente durável, embora estruturalmente mutante”. A autora nos diz, ainda, que docente e discente evoluem juntos, numa relação que revela que o saber docente e evolui em comunhão com o saber e o sabor experiencial discente. 

Portanto, uma concepção mediadora na ação pedagógica presume que o acesso ao conhecimento deve se dar na perspectiva da inclusão dos saberes; das experiências e, por que não dizer; dos desejos dos educandos; da curiosidade; da autonomia para sugerir e compartilhar conhecimentos.

Assim, a organização do trabalho pedagógico precisa ter como elemento fundante a concepção de educação, a qual norteará a intencionalidade educativa, bem como o posicionamento crítico e reflexivo acerca da sociedade em que essa ação se dará. 

A visão de Moraes (2008, p. 257) contribui para a ampliação do conceito de educar na atualidade.  Para autora, educar é:

Cuidar do Ser. Cuidar da ecologia que envolve o ser aprendente, ecologia no sentido mais amplo, o que significa cuidar das relações do indivíduo consigo mesmo, desenvolvendo o autoconhecimento, cuidar das relações com o outro e com a natureza, para que possa ver-se como parte integrante dela. 

Ao ampliar a ideia de educação, trazendo à pauta a ecologia do cuidado, a autora nos convida a refletir sobre os fundamentos que sustentam a organização do trabalho pedagógico. Esses fundamentos devem estar pautados, sobretudo, nos princípios do respeito à diversidade, da inclusão, da cidadania planetária e do ethos mundial, conforme dialogamos no eixo 4.

Outro aspecto imprescindível nesse contexto é refletirmos sobre a organização pedagógica sob a ótica das novas tecnologias. Conforme vimos no Eixo 5 deste caderno, a ciência se faz integrada à vida humana. A intermediação tecnológica no campo das ações pedagógicas vem imprimindo a necessidade de novas posturas frente ao mundo do conhecimento.

Trata-se de um desafio hoje posto pela necessidade do que chamamos de Letramento Científico e Tecnológico, conforme vimos anteriormente, cuja base conceitual está ligada, dentre outros aspectos, à inovação, à pesquisa, sempre em consonância com o impacto de seu efetivo uso em práticas sociais.

Um processo formativo voltado à docência precisa estar atento às questões que permeiam as sociedades na atualidade, principalmente aquelas que as afligem, pois é nesse contexto em que se dará o trabalho docente. 

Para tanto, faz-se necessário o conhecimento sobre o educando no que tange ao seu desenvolvimento biopsicossocial e às relações com o processo de ensino e aprendizagem, na perspectiva inclusiva.  

Diante disso, uma nova ordem paradigmática se faz necessária nos pilares que alicerçam a educação. Há a necessidade da superação do modelo que fragmenta para uma visão de educação centrada na integralidade do ser aprendente e nas relações desse ser com o meio, numa perspectiva de espaço local e global. 

Há, também, a necessidade de uma análise crítica sobre os aspectos didático-metodológicos que norteiam as práticas. Carmo (2010) nos diz que as salas de aula estão repletas de educandos com diferentes repertórios, estilos de aprendizagem e necessidades educacionais. Nesse ambiente de diversidade, a ação pedagógica deve estar voltada ao reconhecimento dos diferentes universos dos educandos; dos seus valores; das suas experiências familiares, na comunidade; dos seus conhecimentos, pois nada disso fica circunscrito ao ambiente escolar. Esse conjunto de elementos integra o alicerce para a proposição e a materialização de uma educação inclusiva. 

Considerando o currículo escolar como o instrumento norteador do processo de ensino e aprendizagem, como organizar as ações educativas de forma a trazer o educando e todo seu universo à centralidade do processo educacional? É preciso considerar o processo educativo na sua complexidade e, portanto, no conjunto de elementos que integram os princípios epistemológicos desse processo. 

A Teoria do Pensamento Complexo de Morin (2000, p. 39.) nos compele a refletir de forma crítica sobre a educação pautada na fragmentação do conhecimento e na necessidade de novas posturas frente a esse modelo:

Complexus significa o que foi tecido junto; de fato, há complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico), e há um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto de conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si. Por isso, a complexidade é a união entre a unidade e a multiplicidade. Os desenvolvimentos próprios da nossa era planetária nos confrontam cada vez mais e de maneira cada vez mais inelutável com os desafios da complexidade.

Uma visão fragmentária da realidade reflete na ação educativa que se faz dissociada do contexto. Esse ‘tecido junto’ sobre o qual nos diz Morin (2000) é basilar para a superação do modelo fragmentário em que se pauta a educação. Nesse sentido, essa tessitura representa o reconhecimento da necessidade de uma prática ancorada em princípios epistemológicos da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade, a fim de que se promova um pensar pedagógico de forma inovadora e disruptiva. 

Por se tratar de um princípio epistemológico que se modela mediante as atitudes dos sujeitos no ato de conhecer, a interdisciplinaridade se apresenta como um dos caminhos do conhecimento, conforme nos diz Moraes (2008). 

Do ponto de vista conceitual, interdisciplinar se refere a uma ação recíproca disciplinar, entre disciplinas (HOUAIS, 2022). Esse movimento de reciprocidade fomenta o diálogo e amplia as possibilidades de um aprendizado que eleva a compreensão da realidade. Assim, um olhar interdisciplinar sobre a organização das ações educativas pode contribuir para a superação do paradigma bancário, na visão freireana. 

Destaque

Mas, como a interdisciplinaridade se manifesta ou se materializa na prática docente? Como engajar o docente num trabalho interdisciplinar, se ele não foi preparado para isto? Como favorecer o intercâmbio docente, se o professor ainda não tem um domínio razoável na sua disciplina? (MORAES, 2008, p. 117)

Essas indagações nos remetem a reflexões sobre os processos de formação inicial e continuada dos docentes. Contudo, é preciso refletirmos sobre os processos de formação nos termos da continuidade, dado o dinamismo e a complexidade do mundo em que vivemos. 

Assim, Moraes (2008, p. 117) nos diz que “(...) a formação do educador interdisciplinar só pode acontecer no decorrer da sua própria prática, na vivência do processo interdisciplinar.” É necessário que o educador esteja disposto a romper as fronteiras que existem entre as disciplinas sem, contudo, negá-las. 

Para tanto, devemos criar espaços destinados ao diálogo entre os atores que permeiam as ações pedagógicas, com vistas a reorganizar o trabalho pedagógico nessa perspectiva. Isso requer, sobretudo, o desejo de mudança e de prospecção em uma educação mais significativa e emancipadora.

Essa reorganização exige uma análise crítica da realidade e, a partir desse ponto, uma mobilização por parte da escola para refletir sobre o seu papel social e redirecionar os valores que ancoram o seu Projeto Político Pedagógico. Afinal, qual a intencionalidade educativa? Como essa intencionalidade se dá no currículo e nos demais processos que permeiam a atividade escolar? A partir dessa tomada de consciência, há que se construir, de forma colaborativa, uma nova trilha pedagógica, que permita a interconexão entre as diversas disciplinas e a proposição de metodologias ativas com vistas a tornar o aprendizado mais significativo. 

Esse pode ser um caminho aberto para a transdisciplinaridade que, segundo Morin (2022), possibilita, por meio do rompimento das fronteiras fechadas das disciplinas, a transmissão de uma visão de mundo mais complexa.  Trata-se de uma dinâmica processual que tenta superar as fronteiras do conhecimento disciplinar, que requer abertura frente ao conhecimento já construído. (MORAES, 2008).

Frente a esses princípios, a proposição de pedagogias inovadoras é fator fundamental para a mudança de postura quanto ao trabalho pedagógico, uma vez que elas potencializam o diálogo entre as diversas áreas do conhecimento e para além delas. Isso promove, também, maior interação entre os docentes, cria espaços de reflexão-ação sobre a prática pedagógica, fortalece o trabalho colaborativo. Dessa maneira, desemboca-se em uma educação disruptiva, que ousa desafiar antigos paradigmas enraizados numa concepção bancária, e que supera as fronteiras para o alcance de uma cultura geral, conectada às necessidades contemporâneas.

Nesse sentido, as metodologias ativas surgem como forma de dar ênfase ao papel protagonista do educando, ao seu envolvimento direto, participativo e reflexivo em todas as etapas do processo, conforme nos diz Bacich e Moran (2018). O papel do docente é o de orientador, tutor dos educandos, com vistas ao desenvolvimento da autonomia e à ação protagônica desses atores. 

A Aprendizagem Baseada em Projetos – ABP surge, nesse cenário, como um horizonte possível. De acordo com Bender (2015), a ABP pode ser definida pela utilização de projetos autênticos e realistas; baseados em questão, tarefa ou problema altamente motivador para ensinar conteúdos acadêmicos de forma cooperativa com vistas à solução de problemas. 

A aprendizagem com base em situações-problema também se apresenta como um facilitador da ação educativa interdisciplinar. Para Roegiers (2006, p. 17):

“(...) uma situação-problema designa um conjunto contextualizado de informações a serem articuladas por uma pessoa ou por um grupo, visando à execução de uma tarefa determinada, cuja resolução não é evidente a priori.”

Conceber a educação pela ótica da interdisciplinaridade, tendo como ancoramento metodologias ativas – tais como a ABP, as situações de problematização, dentre outras – constitui uma postura inovadora, que imprime a perspectiva do aprendizado significativo à intencionalidade da ação educativa. 

Ousar seguir por essas trilhas é também experimentar um processo de formação contínua, experienciando novas abordagens pedagógicas, tal qual a Pedagogia Alpha (2019), que estabelece uma relação mais integrada entre educador e educando; por meio dela, o conhecimento se torna mais significativo, sustentável e sensível; e o processo pedagógico, mais comprometido, competente e transformador. 

Tal entendimento nos leva a reconhecer o processo de formação docente, na sua essencialidade, como força motriz no campo dos tensionamentos pertinentes à prática educativa. Assim, ciente da sua incompletude, o sujeito vai se constituindo educador e, na certeza da impermanência dos pensamentos que norteiam o ato educativo, estuda, experiencia e aprende permanentemente. 

Leitura Concluída

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