EIXO 1

Experiência Memorável

Educação Infantil

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Presença vivencial

O que a memória ama, fica eterno.
Adélia Prado
Poetisa

Adélia Prado nos inspira a refletir sobre o que seria uma experiência memorável. Vamos fazer um exercício sobre nossas memórias? Quais episódios de sua vida que foram eternizados pela memória? Já parou alguma vez para refletir sobre isso? Sugerimos que tente lembrar, especialmente, do seu tempo de escola e da educação básica: que episódios ficaram marcantes em sua memória?

Então, você gostou do exercício? Lembrou coisas importantes do seu tempo de escola? Se pudesse, voltaria no tempo para reviver as experiências que teve quando estava na educação básica?

É sobre experiências memoráveis que vamos conversar um pouco aqui.

Proximidade conceitual

A escola e a educação básica constituem um espaço-tempo de experiências memoráveis, haja vista que todas as pessoas guardam na lembrança o registro de episódios marcantes desse período situado entre a infância e a juventude. Marcante é tudo o que marca a nossa pele e a nossa alma e, portanto, eterniza-se como experiência memorável.

Na educação básica, as experiências memoráveis são, entre tantas outras, aquelas que conciliam saberes e sabores, percepções e sensações, concentração e distração, seriedade e ludicidade, diálogo e escuta, afeto e presença, entre tantos outros aspectos que compõem o que Rubem Alves (2012) denomina de caixa de ferramentas e caixa de brinquedos.

Rubem Alves (2012) afirma que o nosso corpo carrega, ao longo da vida, duas caixas: uma de ferramentas e outra de brinquedos. Segundo o autor, a caixa de ferramentas é composta por recursos pedagógicos para a aprendizagem de competências, habilidades e atitudes diversas, bem como pela arte de pensar. Para o autor, diante da caixa de ferramentas o educador tem de se perguntar: “Isso que estou ensinando é ferramenta para quê? Em que aumenta a competência dos meus educandos para viver a sua vida?” (ALVES, 2012, p. 11). Se não houver resposta, pode estar certo de uma coisa: ferramenta não é.

Há, entretanto, uma outra caixa:

Destaque

Essa caixa está cheia de coisas que não servem para nada. Inúteis. Lá estão um livro de poemas da Cecília Meireles, a “Valsinha”, do Chico, um cheiro de jasmim, um quadro de Monet, um vento no rosto, uma sonata de Mozart, o riso de uma criança, um saco de bolas de gude… Coisas inúteis. E, no entanto, elas nos fazem sorrir. Não é para isso que se educa? (ALVES, 2012, p. 12).

As experiências memoráveis resultam não somente da utilização da caixa de ferramentas ou da caixa de brinquedos, mas também do equilíbrio entre essas duas dimensões do processo de ensino e de aprendizagem, que não pode deixar de considerar ainda a relação de presença, proximidade e partida que se estabelece em sala de aula e nos diversos espaços educativos entre educador e educando e seus pares.

Na escola, a aprendizagem ocorre inicialmente por meio da relação entre os sujeitos, dentro e fora da sala de aula, e na construção coletiva do conhecimento. Nesse contexto, o educador deve atuar como mediador para que a aprendizagem seja significativa e transformadora na vida dos educandos.

Desse modo, a aprendizagem exitosa, é aquela que consegue tirar o melhor proveito tanto da caixa de ferramentas quanto da caixa de brinquedos (ALVES, 2012). É aquela que desperta para a curiosidade, a dúvida e, também, para a solução das questões propostas. Seu conteúdo está contextualizado no cotidiano do educando. Para que essa aprendizagem seja uma experiência exitosa e memorável, o educando deverá ter a oportunidade de construir uma representação de si mesmo como alguém capaz de aprender (FREIRE, 2001).

ATENÇÃO

Na educação básica, é importante tomar como ponto de partida o que o educando já sabe, ou seja, os seus conhecimentos prévios (conceitos, proposições, ideias, modelos…) como a principal variável a influenciar a aprendizagem significativa de novos conhecimentos (MOREIRA, 2012).

Diante do exposto, deve-se ressaltar ainda que as condições para que a aprendizagem exitosa ocorra dependem também da adoção de materiais e estratégias pedagógicas criativas, por parte do docente; e da predisposição para o compartilhamento de saberes e experiências entre educador e o educando.

A escola configura-se como espaço-tempo de experiências memoráveis, quando oportuniza ao educador e ao educando ambientes acolhedores e estimulantes para o compartilhamento de saberes e experiências aos quais nos referimos anteriormente.

Nesse contexto, a escola torna-se o cenário propício para a educação integral, ou seja, uma educação que promove o desenvolvimento físico, intelectual, social e emocional do educando.

Um ambiente acolhedor e estimulante na escola deve considerar tanto a estética e a arquitetura quanto as metodologias ativas, as relações afetivas, os espaços seguros para a livre expressão de ideias e talentos que possibilitem que a experiência seja memorável. Em outras palavras, que permitem que o vivenciado  fique impresso no coração, tal como nos explica Rubem Alves quando afirma que aquilo que está escrito no coração não necessita de agendas, simplesmente porque não iremos esquecer.

Quando falamos daquilo que fica impresso no coração, não é possível nos esquecermos dos educadores e das educadoras que nos inspiraram ao longo da nossa trajetória formativa e que seguem sendo referência para que não nos esqueçamos de que nós também precisamos ser pessoas inspiradoras para os nossos educandos em nossa missão cotidiana.

Saiba Mais

Educadores inspiradores contribuem para despertar o protagonismo dos educandos na medida em que os reconhecem como sujeitos e não como objetos do processo de ensino e de aprendizagem desenvolvido na escola. Nessa perspectiva, Paulo Freire (2019) afirmava que ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, as pessoas se educam entre si, mediatizadas pelo mundo.

O espaço educativo deve privilegiar a formação do educando, na perspectiva de fazê-lo cada vez mais protagonista e humanizado. Não deve, portanto, ser apenas um lugar para acúmulo de saberes teóricos, antes, o ambiente educativo deve intencionalmente buscar desenvolver a relação subjetividade-objetividade nos educandos, de modo que possam desenvolver o sentido de pertencimento ao grupo como resultado das relações construídas, fruto do diálogo entre todos.

Assim sendo, o sentido de pertencimento deve ser aquele que potencializa um ambiente acolhedor e estimulante, garantindo espaços para a expressão das emoções, da afetividade, do diálogo, além do conteúdo curricular. Tal sentimento é desenvolvido nos educandos quando, no ambiente, estão presentes valores que, associados aos sentimentos, favorecem a solidificação da identidade do grupo e no grupo, o que propicia que sempre estejam recriando esse espaço de relações onde se identificam e se encontram acolhidos e pertencentes (RAFFESTINI, 1993).

Outra característica fundamental no debate sobre o pertencimento é a maneira como vamos estimular os educandos a reconhecer, prestigiar e zelar pelo ambiente escolar no qual estão inseridos, fazendo com que possam “[...] aprofundar conhecimentos e rever atitudes, conceitos, valores éticos e estéticos” (LESTINGE, 2004, p. 5).

Essa postura de pertencimento e de acolhimento se deve em muito à possibilidade de implementação do diálogo como ferramenta imprescindível para a qualificação de relações humanizadas. É pelo diálogo que as relações intersubjetivas acontecem sem viés de acesso à violência, como forma de resolver os conflitos pertinentes a esses encontros, promovendo uma Cultura de Paz no ambiente educativo. 

O diálogo ao qual nos referimos é o momento em que cada um assume o protagonismo no encontro que acontece entre sujeitos, esses, por sua vez, são pensantes, reflexivos, criativos, éticos e pertencentes a uma realidade que é compartilhada. Isso, porém, não impede que cada indivíduo tenha sua própria forma de enxergar e de entender as coisas, de avaliar as situações e de expressar seu entendimento numa relação simpática, empática e de alteridade. 

No espaço educativo, essa troca se dá entre educando-educando, educando-educador e educador-educador, buscando uma coerência entre o que se diz e o que se faz (FREIRE, 2005), por isso:

Destaque

“[...] é preciso recuperar a subjetividade de cada educador e educando, considerados sujeitos de palavra e, portanto, sujeitos portadores de uma humanidade existencial, que se caracteriza como a objetividade educacional. Assim, subjetividade e objetividade se complementam de forma dialógica.” (SÍVERES; LUCENA; SILVA, 2021, p. 56).

Portanto, o diálogo torna-se uma estratégia para a troca de saberes e fomento de relações, o que possibilita aos participantes desse movimento leituras e releituras diversas dos saberes, fazendo com que, assim, possam aprofundar a cada encontro os conhecimentos construídos até aquele instante.

Tais atitudes farão com que o espaço educativo seja acolhedor e estimulante para a vida em comunidade, atendendo, assim, às necessidades dos educandos e, dentre elas, a ludicidade tão importante para o processo da aprendizagem.

Você verá

Que a emoção começa agora

Agora é brincar de viver

E não esquecer

Ninguém é o centro do universo

Assim é maior o prazer

(Música “Brincar de Viver”, de Guilherme Arantes).

Brincar  é um comportamento que acompanha os humanos desde os primórdios. Independentemente de categorização social ou cultural, ele faz parte do desenvolvimento humano; possibilita aprendizado, socialização, troca de conhecimentos e experiências, estruturação da capacidade de diálogo e interação. Tal entendimento foi compartilhado por pensadores como Vygotsky, Piaget, Winnicott dentre outros. 

Para Vygotsky (1998), brincar é uma atividade humana criadora, na qual imaginação, fantasia e realidade interagem na produção de novas formas de construir relações sociais com outros sujeitos, crianças ou adultos. 

Em consonância, Piaget (1978) afirma que o brincar é o berço obrigatório das atividades intelectuais da criança, na medida em que, por meio dessa prática, elas enriquecem seu desenvolvimento intelectual. Assim, brincar não é apenas uma forma de desafogo ou entretenimento para gastar energia. 

Winnicott (1975), por sua vez, aponta que o  brincar possibilita à criança quebrar barreiras da realidade, viver uma experiência;  é uma forma de construir a realidade, ao transitar  entre o subjetivo e o objetivo.

De acordo com as Orientações para a inclusão da criança de 6 anos no Ensino Fundamental, nas sociedades ocidentais, a brincadeira está entre as atividades frequentemente avaliadas por nós como tempo perdido. Por que isso ocorre? Essa visão é fruto da ideia de que a brincadeira é uma atividade oposta ao trabalho, sendo por isso menos importante, uma vez que não se vincula ao mundo produtivo, não gera resultados. Essa concepção diminui o tempo e os espaços destinados ao brincar à medida que o sujeito se desenvolve (BRASIL, 2007, p. 34).

Ainda segundo esse documento, os processos de desenvolvimento e de aprendizagem envolvidos no brincar são constitutivos do processo de apropriação de conhecimentos. Assim, o ato de brincar passa a ser visto como um direito da criança, nos textos legais e documentos oficiais.

Fica a dica

Portanto, do ponto de vista de uma educação pautada na proximidade, na presença e na partida, o ato de brincar representa o reconhecimento das particularidades do sujeito, o respeito ao seu desenvolvimento biopsicossocial. Dessa forma, a ludicidade é um compromisso institucional curricular, integrado às demais atividades cotidianas, com vistas a um agir virtuoso que proporcione uma ambiência escolar feliz.

É o agir virtuoso praticado durante a vida que nos possibilita viver com felicidade. Já na Grécia Antiga Aristóteles defendia que o agir virtuoso seria uma condição para alcançarmos a felicidade, pois ele é capaz de produzir uma satisfação em um sentido subjetivo e uma satisfação em um sentido intersubjetivo, já que, por meio desse agir, levamos em conta nós mesmos e os interesses da coletividade (UCB, 2021).

A ideia de felicidade implica, ainda, outros três elementos:

  1. ter condição, ou seja, suporte material para o atendimento das necessidades básicas;
  2. fazer opções, o que demanda o suporte simbólico para escolher caminhar rumo ao alcance dos sonhos/utopias; e
  3. entender a realidade, o contexto social propício para o alcance das necessidades básicas e dos sonhos possíveis. Esse agir virtuoso praticado durante a vida nos possibilita viver com felicidade.

Entretanto, cara professora e caro professor, sabemos que esse entendimento do ato educativo na perspectiva da aprendizagem memorável e da felicidade em um contexto de reducionismo do conhecimento pode ser um fator limitante para uma educação que se proponha acolhedora, estimulante, criativa e transformadora. Mais do que isso, pode levar à frustração. 

Diante disso, somos desafiados a superar um modelo de educação bancária, a fim de construir uma educação emancipatória, disruptiva, cuidante e propulsora de sujeitos protagonistas. Para isso, é necessário que nossa uma prática pedagógica seja arrojada, e que considere a práxis (ação + reflexão = ação refletida) que provoque o educando para buscas mais significativas no encontro consigo mesmo e na relação com os outros (FREIRE, 2009).

O arrojo pedagógico é construído no diálogo entre teoria e prática, e desenvolvido por meio da reflexão individual e coletiva sobre um repertório crescente de experiências e conhecimentos. Desse modo, podemos afirmar que não há duas situações pedagógicas idênticas, o que faz com que o trabalho relacional dos educadores seja insubstituível, mesmo pelos recursos tecnológicos mais sofisticados. O ato pedagógico permite a cada educando relacionar-se com os outros com a mediação do conhecimento, acessar o mundo com inteligibilidade, criatividade e sensibilidade, o que deve motivar o educador a uma busca qualificada de ações pedagógicas. (UNESCO, 2022).

Toda experiência educacional memorável deve ter um caráter inclusivo das diversidades presentes na escola.

Leitura Concluída

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